Texto de autoria de CARLOS EDUARDO GESSE, Delegado de Polícia em Minas Gerais.
Decidi dar uma breve opinião sobre a Operação Policial ocorrida no RJ, que resultou em mais de uma centena de pessoas mortas. Esta posição não é absoluta e não tenho a pretensão de ter qualquer razão sobre os fatos.
Ontem, tive uma conversa com meu cunhado/irmão, que mora no RJ, para saber como estava a situação por lá. Ele me disse que estava tensa; que meu sobrinho não pôde ir à escola e que um amigo dele, meu colega de profissão (delegado de polícia), foi alvejado e seu estado de saúde era delicado.
Segurança pública é um assunto complexo, multifatorial e dinâmico, não havendo soluções definitivas, mágicas, fáceis, rápidas ou prontas. O tema da Segurança Pública e o combate à criminalidade precisam ser contextualizados espacial e temporalmente, tendo em vista que criminosos sempre contornarão as ações policiais e as inovações legislativas, desenvolvendo novas formas de cometer crimes e de se furtar à aplicação da lei.
Apesar de exercer o cargo de Delegado de Polícia há cerca de treze anos, estudar direito penal e processual penal para atuar como delegado de polícia e como professor universitário, e de ter pesquisado sobre criminologia e segurança pública no mestrado, não sou e nem me considero especialista em segurança pública, muito menos na segurança pública do Rio de Janeiro. Este é um local sui generis por vários fatores como território, cultura, organizações criminosas armadas, estruturadas e violentas, milícias (se é que já não poderiam ser inseridas no critério anterior), turismo, carnaval, entre outros.
No entanto, tenho uma noção de segurança pública relacionada à minha região. Mesmo assim, erro e aprendo diariamente e, por isso, quero expor algumas ideias para a reflexão dos leitores.
Já adianto que discordo das visões e narrativas mais tradicionais de esquerda e direita.
Comecemos pela esquerda, pois muitas pessoas me rotulam como “canhoto”. Não acho que a situação do Rio de Janeiro seja, como parte da esquerda muitas vezes defende, de que se deve evitar qualquer operação policial em que haverá confronto e, por consequência, vítimas.
Pensar de forma tão simplória é reduzir o problema, é simplificar o que não é simples. É esquecer que muitas comunidades, bairros ou regiões pelo Brasil são dominadas por organizações criminosas, as quais não permitem, muitas vezes, o acesso da população a serviços básicos como saúde (ambulâncias não acessam comunidades com barricadas), serviço postal, segurança pública, transporte (Uber somente o autorizado pelas organizações criminosas), energia (o acesso é via “gato” e a tarifa é paga à organização criminosa, e não à concessionária de energia elétrica), e assim por diante. Isso já seria mais do que suficiente para demonstrar que é preciso uma intervenção do Estado e que o confronto, em algum momento, vai ocorrer para manter a soberania do Estado.
De outro lado, é evidente que a diminuição das desigualdades sociais, educação e oportunidades de trabalho vão reduzir a violência. No entanto, é igualmente evidente que tais medidas não extinguirão a criminalidade nem farão com que organizações criminosas devolvam o território ao domínio do Estado, pois essa dominação gera poder e dinheiro aos seus detentores.
E o tráfico de drogas, apesar de ser uma parcela importante da renda dessas organizações criminosas, não é mais a única atividade. Elas já dominam internet, gás, o direito de ter comércios, TV por assinatura, combustíveis e quaisquer serviços que sejam utilizados pela população e possam ser lucrativos nesses territórios. Já substituíram o Poder Judiciário pelos “tribunais do crime”, já substituíram o Legislativo e Executivo, pois fazem e executam as leis. Em verdade, são um Estado Paralelo, e isso não pode ser admitido. O território, nesse contexto é fundamental.
Também não acho que, como a direita mais radical apregoa, a solução seja o confronto pelo confronto, ou a opressão violenta sempre, representada pelo “Bandido bom é bandido morto”, pois isso é ineficaz e não resolve o problema. Seria o mesmo que pagar juros de uma dívida sem pagar a dívida. Explico.
O confronto sem um planejamento, um propósito, sem a retomada total e definitiva do território, não adiantará muita coisa. As organizações criminosas mudarão os locais de atuação, terão um desfalque financeiro; contudo, se reconstruirão com estruturas até mais fortes e corrigindo as falhas que possibilitaram a intervenção policial.
Além disso, a substituição ou reposição do material humano, ou seja, vidas de pessoas economicamente desfavorecidas ou de policiais, é a parte mais fácil dessa equação. Um traficante ou um policial morto é, respectivamente, para as organizações criminosas e para o Estado (assustador, mas é a realidade – vão dar uma medalha à viúva, pagar uma pensão aos filhos e substituir o servidor no dia seguinte, sem qualquer medida concreta para mudar a situação) apenas um número.
Pessoas passam a ser apenas um número de fácil substituição: as organizações criminosas pelo recrutamento de novos jovens pobres sem oportunidades, e o Estado pela realização de concursos para novos jovens, também pobres e sonhadores, que desejam ser policiais por ideal ou por necessidade.
Assim, o confronto impensado será apenas uma forma de usar massas de manobra para ganhar votos e produzir narrativas para ambos os espectros políticos. Boa parte das metas estabelecidas para as polícias não visa a segurança pública, e sim os interesses eleitoreiros dos governantes.
O mesmo político, de direita ou de esquerda, discute segurança esta semana, economia na semana que vem, cultura na seguinte, é especialista em educação no que vem e, antes da eleição, torna-se o doutor em saúde. O importante é não deixar de se manifestar e de “lacrar” sobre o assunto do momento, afinal, na era das redes sociais, isso gera engajamento e, ainda mais importante, votos.
E qual a solução?
Eu não sei e nem tenho capacidade para elaborar um plano de atuação. E acho que ninguém tem uma solução fechada e pronta para o problema.
Talvez o mais efetivo fosse oprimir financeiramente essas organizações criminosas por meio de investigações qualificadas e, quando estas estivessem muito debilitadas, organizar operações policiais em que haverá confronto, mas que retomem territórios de forma mais definitiva.
Claro que isso é uma forma simplória de apresentar uma possível solução que precisa ser testada e corrigida, pois, como disse, não há solução definitiva para a segurança pública. E, com certeza, soluções demandam políticas públicas elaboradas, vontade dos governantes, participação da população e investimento.
Fato é que a Segurança Pública é um problema de primeira ordem em nosso país e, se não resolvido, coloca em risco a existência do Estado Brasileiro.
A definição de Estado, para Max Weber é: “Estado é uma comunidade humana que, dentro de um território específico, reivindica com sucesso o monopólio da coação física legítima. Isso significa que o Estado é a única entidade com permissão para usar a força física (violência) de forma legal.”
Logo, não se pode permitir que um Estado Paralelo seja detentor da força, com uso de roupas e armas de guerra, como fuzis e granadas, e oprima a população como vem ocorrendo.
E, se você acha que essa situação está distante de nós, se engana.
Aqui, em Uberaba-MG, há bairros inteiros em que não há registros de ocorrência de violência doméstica, evidentemente, porque o crime organizado não permite a comunicação desses crimes, e não porque não exista violência de gênero nesses locais. Aqui também há “tribunais do crime”. Sei do caso de uma mulher que foi julgada por criminosos por atropelar um cachorro, e já começo a ouvir que, em alguns bairros, comerciantes estão pagando por “proteção” (pagam para não serem vítimas dos próprios cobradores).
A próxima vez que ouvir um posicionamento radical, uma solução mágica, um especialista sobre todos assuntos do momento opinando, reflita um pouco!
Carlos Eduardo Gesse
Delegado de Polícia do Estado de Minas Gerais
Professor de Processo Penal na Uniube
Mestre em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia
